BELTANE E O CASAMENTO SAGRADO – uma história

Chamas selvagens dançavam na escuridão, espiralando acima do fogo sagrado, e o calor afastava o frio da noite, que sussurrava através da brisa de maio.

Era a noite de Beltane, pensou a Sacerdotisa, ouvindo os uivos e o tamborilar na floresta profunda sob a luz da Lua Cheia. Esta era a noite do casamento sagrado, a noite da celebração da fertilidade da terra, da união do masculino e do feminino e na qual grandes festivais eram realizados no seio das árvores.

Um arrepio de excitação subiu-lhe pela coluna. Ela ainda só tinha participado no festival de Beltane dançando e cantando com as outras sacerdotisas ao redor do fogo. Mas ela estava a sentir um chamado antigo que cantava na sua alma, arrancando notas em fios de prata entrelaçados.

Aprendera na sua formação que o chamado chegava a todas, e que não havia nada de que se envergonhar ou a esconder e que cada uma saberia quando era a hora certa.

Ela pensou nos guerreiros que se moviam entre as sombras, pintados com símbolos honrando a Deusa, as estações e a fertilidade da terra usando tinturas de plantas azuis. Ela sabia que um dia, em breve, dançaria entre as árvores em união divina, e com este pensamento um pequeno sorriso aflorou aos seus lábios.

A Deusa sentou-se do outro lado do fogo observando-a com sábios e cintilantes olhos, um crescente prateado brilhando na testa, a espelhar o da própria Sacerdotisa. Ela parecia sem idade e antiga ao mesmo tempo, uma fusão de todos os aspectos do feminino divino manifestado.

Um grande mocho cinzento estava sentado no seu braço, sem piscar à luz do fogo, olhando para as chamas, aparentemente encantado por algum encantamento não dito, e ela ponderou sobre o que ele veria nas brasas.

“Minha filha”, disse a Deusa. “Quando os outros tentam controlar as cordas dos nossos espartilhos, eles tornam-se o mestre de marionetes segurando as cordas do nosso mundo. Quando eles controlam o modo como encaramos e expressamos a nossa sensualidade e a nosso desejo sexual, isso é uma armadilha e um meio de usar a vergonha para controlar os nossos desejos ”.

A Sacerdotisa assentiu, pensando numa conversa que tinha tido com os seus professores. Eles haviam falado com ela sobre honrar a sua natureza sensual e fluir com a sexualidade divina que é inerente ao nosso ser.

“Tentar conter a expressão sexual é como tentar capturar o fumo. Não importa o quanto tentem, ainda assim ele se eleva. Não importa quanto tentem escondê-lo, ele nunca ficará preso ”, explicou ela.

Ela pensou nos dançarinos ao redor do fogo de Beltane e nas celebrações sagradas. Como poderia alguém querer silenciar a expressão sexual? Era o sagrado em movimento.

Uma dança externa de uma melodia interna que só podia ser ouvida e entendida pelos que se moviam nos seus ritmos poderosos. Como poderia alguém querer julgar isso? Como poderia alguém querer ditar como outro alguém deveria experimentar e expressar isso?

 “O espírito conduz a carne ao desejo e à oração de igual modo, minha filha” continuou a Deusa. “Um, não é mais santo que o outro. Cada um é um canal para a unidade sagrada e um caminho para o divino ”.

Ao longo da sua vida e na formação de Sacerdotisa tinham-lhe dito que ela era um ser sensual sagrado e que o seu corpo e a forma como escolhesse expressá-lo e apreciá-lo, pertencia-lhe a ela e a mais ninguém.

Os seus professores haviam falado sobre a energia criativa e a libertação da intenção para o Universo que é criada entre corpos durante os ritos, e que era uma prática sagrada e não deveria estar sujeita à vergonha ou ao ridículo de ninguém.

Estar com outro, em pleno consentimento, presente, autêntica e consciente e fluir nesta dança sagrada era a força criativa mais poderosa do mundo.

Quando ainda era donzela, ela  perguntara-se por que razão algumas pessoas tinham tal desdém pelo sexo sagrado e tinha concluído que as opiniões eram baseadas no medo que elas tinham e nas sombras que cresciam dentro de si mesmas relativas ao sagrado acto.

Ela percebeu  que  eram crenças aprendidas, pois as pessoas não nasceram temendo essa linda dança sagrada. Sem essa dança sagrada, não haveria criação, ela sempre pensara. Sem isso, tudo deixaria de existir.

 “A tua energia sexual é um presente, e o fogo sagrado que queima dentro de ti é sagradoo. Nunca deixes que a tua faísca seja extinta por ninguém, nem se esconda atrás de véus de vergonha. A tua sexualidade faz tão parte de ti quanto a tua própria respiração, ” concluiu a Deusa  com um sorriso.

“Deusa”, disse a Sacerdotisa. “As Tuas palavras estão escritas nas paredes do meu coração, ressoando profundamente com a minha verdade. Obrigada pela Tua sabedoria esta noite”. Sorriu para a Deusa e curvou-se em reverência.

Quando olhou para cima mais uma vez, a Deusa tinha desaparecido no ar fresco e escuro e ela estava sozinha.

Deixou a lareira, movendo-se na direcção da escuridão das árvores e seguindo o caminho iluminado pela Lua Cheia, com os  pés descalços saboreando o frescor da relva da primavera.

Já longe, mal conseguia ouvir as vozes e os tambores; as festividades estavam a ser substituídas pela música dos bosques que a rodeavam.

A Sacerdotisa entrou numa pequena clareira da floresta e parou quando uma figura se moveu nas sombras à sua frente. Ao luar, ela viu as marcas azuis brilhando como um farol na pele brilhante e encontrou os olhos de um guerreiro.

Sentia as notas de prata da chamada intemporal dentro da sua alma e algures, entre os galhos, ouviu o mocho sussurrando para o céu estrelado. Um conhecimento antigo aflorou nela um sorriso.

Ara Campbell

Traduzido por IC/SM

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